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A mostrar mensagens de dezembro, 2021

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 Sou uma sucessão de fracassos. Mas tento, e tento sempre de cada vez que fracasso. Por que tento sempre sabendo antecipadamente do meu fracasso? Para me conhecer através do caminho? Para me conhecer através das pedras? Para me tornar indiferente ao abismo final?  Para quê este inútil gasto de energia? Fracassado deveria abdicar, refugiar-me na sabedoria oriental, na tentação do vazio ou ser aquele místico que não acredita em nada, nem em si mesmo. Talvez assim me tornasse santo. Mas nunca consegui anular em mim a vontade ou o desejo. Acredito na necessidade e nas pedras que o acaso lança ao longo do caminho. Chego a desejá-las, a amá-las, porque sou um sentimental que vive em contradição. Não quero a vida leve e tranquila, mas repugnam-me os altares da vitória, e vejo neles uma ridícula ilusão com que os espíritos fracos tentam enganar-se e aos outros, escondendo que nada são, nada serão. Sinto desprezo e tédio pela vaidade daqueles que esfregam o umbigo de si mesmos e não me...

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Minha mãe sempre me disse,    num tom entre o amor e a pena,   que eu sou uma boa pessoa. Entendi as suas palavras como   um presságio de que o ser boa pessoa haveria de perder-me. Quando me meti na política ( e eu sempre estive metido na política) um amigo condescendente disse-me que eu era demasiado boa pessoa para me meter na política. Percebi que estava a dizer-me que eu era apenas um idiota, mas neguei essa evidência a  mim mesmo porque sabia que ele era meu amigo, e continuei a insistir no que entendia como o cumprimento de um dever. Perdi como estava previsto, mas todos os adversários me felicitaram na derrota porque eu me comportara como boa pessoa. As boas pessoas são ótimos derrotados: estão sempre predispostos a aceitar que os outros vêm  neles apenas boas pessoas. Recusam-se a acreditar no veneno e olham com indulgência as suas misérias e os seu fracassos. E, contudo, vejo em mim o mais astucioso dos vaidosos: aquele que se compraz em que os out...

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Talvez nunca o vinho nos conduza tanto à paixão como no crepúsculo do Outono. Passei o dia de ontem, sábado, a engarrafar vinho. O seu odor preencheu-me por dentro. A sua cor manchou as minhas mãos de negro, estas máscaras camponesas que ainda me permito tingir de verdade. Beber vinho é amar a terra, é esquecer que não há Paraíso nem Inferno, que o hoje é só um dia que passa e o amanhã uma ilusão. Amar o vinho é amar a hora, beber serenamente a sua brevidade, ignorar as humilhações de ontem e o vazio de amanhã. Dorme a meu lado gata depois de uns momentos de ternura enquanto eu bebo o meu vinho e penso nas rosas de Outono sem desespero ou esperança. Podes dormir bem porque ignoras a dor dos outros que eu gostaria de ignorar mas que o vinho me recorda como me recorda o luminoso som do sorriso de certa mulher. Taça suave, o teu vinho amargo conduz-me aos doces lábios da bem amada.

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  Outros exaltam-se. Eu pratico diariamente exercícios de decomposição. Nascido da terra, ignoro o que é ter delicadeza para comigo mesmo.

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Angustia-me o não estar nesse futuro onde haverá buracos de verme   que me poderiam conduzir a um universo paralelo, algo maior que a própria luz, algo próximo da eternidade que é a essência dos deuses, algo que a infinita imaginação dos homens e a mais infinita imaginação dos seres que os homens irão fazer, algo ainda mais subtil que a luz que os próprios homens hão de criar. Este ser eucariota, animalia, eumetazoa,  cordado, vertebrado, mamífero, theria, eutheria, primata, haplorrino,  simiiforme, grande símio, hominídeo, homininae, hominini, hominínio, homo, homo sapiens, homo sapiens sapiens, acabado de aparecer na terra, mal balbucia as primeiras palavras acredita ter esgotado a beleza das palavras, mal constrói os primeiros artefactos acredita ter esgotado a possibilidade de construção de artefactos, esquecendo que, apenas há segundos, os seus artefactos eram tão só pedra lascada. Esquece que os artefactos que ele criou o criaram também como artefacto, um artefacto...

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  Alguém escreveu que a única razão para recusarmos o suicídio seria a crença em Deus. Mas a crença em Deus é o absurdo humano, como o demonstra o sofrimento que conduz ao suicídio.  Por todo lado paira a maldição da morte.  E nem mesmo os marcados pelo selo de Deus dela se libertarão, ao contrário do que afirmava o profeta de Patmos. Vem primeiro a morte dos que amamos, que é a pior das mortes; depois, a separação de nós mesmos pela desagregação do corpo.  Alma? Não há alma, mas apenas corpos que têm consciência de si mesmos dentro dos outros e, por isso, sofrem. Profetiza o Apocalipse que o mar,  a Morte e o Hades entregarão a Deus os seus mortos para serem julgados, e os que não tiverem o selo de Deus serão novamente mortos. Mas essa maldade de uma segunda morte seria tanta que até o próprio Deus a ela haveria de sucumbir  pelo suicídio.