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A mostrar mensagens de janeiro, 2022

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    O meu caminho não segue um plano.  A minha vida não foi contada nem pesada. Apenas será dividida como todas as vidas. Não tem unidade de ação como sucede nos dramas. Vou seguindo o meu drama íntimo sem saber por onde vou nem para onde vou, escolhendo no momento, e com o acaso, as veredas por onde o desejo me impele. Descubro, tantas vezes, depois de iniciado o caminho, que não é aquele o meu caminho, mas prossigo nele porque, mesmo que voltasse para trás e seguisse outro caminho, também haveria de deixar de o querer. Todos os caminhos são iguais? Não. Todos os caminhos são diferentes. Mas todos se iniciam naquele lugar comum onde todos se bifurcam e todos terminam no lugar onde as multidões dormem no eterno pó, onde se juntam santos e criminosos, insensatos e sábios.  O que restará de nós? Apenas alguma árvore que plantámos numa encosta voltada para o sol, talvez a memória do que ficou de tudo o que foi perdido. Angustiar-se com o derradeiro abismo, pensar no que...

ESPLENDOR NA RELVA

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Não há sobre a relva  O improvável milagre Apenas o simples esplendor  Do verde Da flor da ansiedade. Nada há que te devolva Os róseos dedos do amor Que não tiveste Nem sequer a chama fria Do lume que perdeste. Recordar que sonhaste Que sentiste sede e fome  E não comeste Enquanto em ti rugia o leão da ausência E te ignorava o Deus da indulgência Não te devolve o tempo A ave da vida A imortalidade breve. Vives em possibilidade Precisas de amar até à derradeira neve. HENRIQUE DÓRIA

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Sou  uma criança que se tornou adulto demasiado cedo mas que, adulto, continuou a ser criança. Este meu sorriso fácil. Este acreditar nas palavras, e ainda mais nas palavras dos outros, este acreditar que o Fado não me há de vencer, que a morte é longínqua e talvez não seja morte, este acreditar que no mundo haverá sempre uma aldeia, e na aldeia uma casa, e na casa um quarto, e no quarto um coração peregrino, faz de mim uma eterna criança. Um dia, abri na terra uma cova e lá plantei as minhas mãos. A terra era branca como este papel em que escrevo. Envolvi as mãos em húmus. Reguei-as ao nascer do sol, esperando que delas nascessem orquídeas brancas e vermelhas.  Mas era descuidada a minha esperança, como são descuidadas todas as crianças. Separavam-se os dias e eu sem dar por isso. Mas, no fundo de mim mesmo continuava à espera que, da cova outrora aberta, nascessem orquídeas brancas e vermelhas, sem alguma vez pensar que, quando elas rompessem a terra em direção ao sol, ...

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 A minha perdição foi sempre o meu querer suportado por uma imaginação alheia à realidade porque ela mesma sempre foi a minha realidade. Em verdade, o meu querer sempre esteve para além dele mesmo, e sempre para além do além, para além dos aléns a que não encontro fim. A realidade está sempre atrás de mim, essa realidade que tem homens que riem e choram,  homens que jogam as cartas da sorte num banco do jardim porque nada mais têm para jogar, homens que correm para ganhar a vida enquanto a morte  os vai ganhando, homens que acreditam que têm poder ignorando que nada são e que nada são porque acreditam que têm poder, homens que não acreditam, homens que estão sentados, homens que estão de pé, homens que se agitam como loucos, homens que, como eu, se inclinam suavemente sobre o coração. Cai na minha alma uma chuva quente que faz crescer os sonhos, ou nesse lugar do meu corpo que acredito ser a alma que não há. A chuva é terna porque a ternura é húmida. E a minha perdição se...

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Não amarmos apenas, mas sermos amor, tornar-nos-ia semelhantes aos deuses. Todos podem amar. Mas quem consegue ser amor, esse estado tão próximo do supremo orgulho, tão próximo do absoluto poder, mas que é a suprema abdicação, a suprema dádiva que apenas se alcança quando o amante se perde nos outros, quando nele é nada para nos outros ser tudo, quando quer possuir para nada ter, quando quer ser os outros para ser ele mesmo, quando quer conhecer os outros para se conhecer a ele mesmo, t ransportar a suprema carga de si mesmo através do mundo como se fosse através do éter, libertando-se de si próprio, de todo o sofrimento e de toda a queixa? Não é anular-se, mas transformar-se nos outros, ser como se não fosse, nem tivesse sequer chegado a ser porque sempre estará no outro mesmo depois da noite súbita.   Perdendo nos outros o rasto do eu tornar-nos-emos deuses de nós mesmos, regressando assim à nossa essência. Aí encontraremos então o deus da nossa casa vazia porque esse deus estará...