POEMA XII
Entre a ubiquidade de Deus
Vive uma pomba
Com o seu coração
dividido
E a artéria aorta ligada
Ao cântico dos cânticos
E a pomba beija o
lado direito
De Deus com a sua língua
Santificada e dadora de vida
Para que do seu ventre nasçam peixes
E um belo homem louro
Com uma coroa de espinhos
Preparando o triunfo do sangue
E o belo homem louro é um nardo
Ardente nas coxas da amada
Um homem multiplicador de pães
Caminhante fazendo o seu caminho
Sobre a superfície das águas
Lado a lado com o basilisco
Numa mão levando a espada
Noutra o vermelho hibisco
-Porque ele sabe que o amor e a beleza
Estão destinados à morte-
Caminhando também pelas montanhas
Onde se prolongam as bem aventuranças
O sal e as palavras.
Pai, porque fizeste do belo homem louro
O. branco cordeiro do sacrifício ?
Já não serves para nada Pai
És um sapato roto
Esquecido numa vereda
Um pó negro de trigo
Entre as pedras de ferro
Escondido que estás na escuridão
Não passas de um trovão maldoso
De que as crianças aprenderam
A não ter medo
Outrora ordenavas que os guerreiros
Esmagassem as cabeças dos infantes
As fundissem contra a parede
Ordenavas a morte das mulheres
Dos bois do gado miúdo e dos jumentos
Eras uma seta suicida
Em direção ao cérebro
Quem acredita hoje
Que as tuas trombetas derrubam muralhas?
Quem receia o incêndio das vinhas?
Outrora eram tuas a faca cortando os olhos
E a vingança
A úlcera de Egito a sarna seca e húmida
E as hemorróidas
Hoje para os reis é motivo
De escárnio e de riso
Ignoram-te os pedintes
Com seus pequenos pratos vazios
Juntos com o vento
Os cães ladram-te nas esquinas
Enquanto permaneces escondido
E mudo para os homens
Eternamente sentado no teu trono taciturno
Feito de névoa.
Isto diz a pomba coração vermelho que está
Entre o Pai e o Filho
E ela fala através do fogo
E da água sobre a fronte
Porque ela virá na terceira idade
E abrirá as águas do deserto
E os portões das cidades
Com a sua luz se embriagarão os seres
Com ela será estabelecida toda a concordância
Porque o seu alimento é o amor
Que o seu bico imenso distribuirá
Com as alianças dos noivos
O perfume do incenso e a mirra
Fonte de vida
Para a eternidade dos homens.
HENRIQUE DÓRIA
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