ETERNIDADE
- Então por que vens perturbar a minha entrega a Deus?
-Só venho dizer-te a verdade a ti que estás a levar a aniquilação do corpo para alcançares uma absurda eternidade.
- Quem és tu para me dizeres onde está a verdade? Só o Eterno conhece a verdade.
- A verdade é que esse Deus em que acreditas e a quem te entregas para alcançares a eternidade é uma mentira. Ele apenas existe na fraca mente dos homens e morre com a morte de cada humano que Nele acredita.
-Mentes. Se eu O amo é porque Ele existe eternamente. Só o amor alcança a eternidade.
- És louco. Ele não é mais do que a grande ilusão que os homens inventaram. Eu que sou o Nada, eu sim tenho poder sobre Deus porque tenho poder ti e, aniquilando-te, aniquilarei também uma parte de Deus. Eu sou a Verdade, eu sou quem tudo pode e tudo manda, o Nada. E em verdade te digo: tudo ´que é irá sofrer mortes sucessivas até à derradeira morte. Olha estas pedras à tua volta. Pensarás que elas estão mortas. E estão. Mas por elas outras mortes eu hei de fazer passar até se tornarem numa luz frágil e fria, uma luz morta em que tudo o que é se dissolverá para ser apenas morte.
- Afasta-te de mim demónio. Não sucumbirei à tua mentira. Só o Senhor é a verdade e a vida. Só Ele dominará a morte.
- Outra ilusão tua. Não há demónio a não ser na mente dos homens e, como Deus, o demónio há de morrer. Nada me dominará, nem Deus nem o demónio. Vive enquanto eu te permito. Vês aquelas jovens belas e nuas? Desce dessa coluna e vem aceitar os seus beijos e os seus encantos. Só neles está a tua salvação porque é neles que está o sentido da vida. Elas sim, são divinas porque são a verdade e a beleza que tudo tornam divino.
Pela primeira vez em tantos anos de fé e de certezas, o estilita sentiu o calafrio da dúvida. Mas esse calafrio foi desaparecendo à medida que aqueles belos demónios nus se foram aproximando até abraçarem a coluna do sacrifício. Então,
o estilita não pode mais resistir ao chamamento da beleza. Desceu da coluna e, por um instante, abraçou e foi abraçado pela eternidade.
HENRIQUE DÓRIA
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