A MINHA VARANDA

Debruço-me na minha varanda e, embora sentindo-me em casa, sinto que o meu corpo está ali prestes a partir. Dizendo de outro modo: sinto-me ao mesmo tempo na casa e no mundo. Um passo em frente e estarei no jardim das plantas. Um passo à esquerda e estarei na Praça da Vitória, onde, sobre uma coluna vertiginosa moldada em granito, o leão vence a águia vingando as crianças e as mães que, prestes a afogarem-se no rio pelo desabar das barcas, gritam através do bronze.

Volto-me para a direita e sinto-me viajando através do mar, ao lado dos navios e dos veleiros que, como eu, se dirigem para o horizonte azul onde vagueiam as aves, breves nuvens brancas junto ao velo de ouro que uma mão segura sobre a cabeça de uma mulher suavemente inclinada para a esquerda, uma mulher que canta nua de costas voltadas para quem, como eu, a deseja. No mar há uma larga avenida negra ladeada por árvores flamejantes, e eu caminho sobre ela mas não consigo sair do mesmo lugar, sempre distante dessa mulher luminosa. Foi para evitar tanta desilusão, talvez mesmo tanto sofrimento, que Walter Gropius aboliu as varandas dos prédios que construiu para o povo alemão destroçado pela guerra? Mas a minha varanda está voltada para o sul solar, para o calor do céu, para o apelo do mar que me espera, para as aventuras que as suas vagas cintilantes libertam, para a melancolia dos portos, para os barcos cheios de recordações, para as cidades erguidas em climas vibrantes onde, serenamente, poderemos dormir nus nos seus terraços. E eu, olhando o mundo da minha varanda, sei que pertenço tanto a esta casa como a certos lugares onde nunca irei chegar. 




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