PRINCÍPIO DE UM LIVRO POR FAZER
.E que mais pecados fizeste, meu menino?
-Senhor padre eu disse put, eu disse fô, eu disse cará.
-Dizer esses palavrões é pecado meu menino. Prometes não dizer mais?
-Prometo sim, senhor padre.
-Está bem. Eu te absolvo e perdoo os teus pecados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Mas tens de rezar três Pai-nosso, três Avé Maria e três Credos. Vai com Deus.
Ajoelhei-me a um canto da capela, próximo da Senhora do O de pedra que estava colocada no chão, do lado direito do altar, para que as mulheres lhe pudessem tocar porque esse toque, acreditavam, lhes traria filhos felizes. A santa tinha já a cabeça puida de tanto toque e, por isso, acreditava-se que o seu poder era mais forte. Rezei as três orações da penitência que me fora dada enquanto os outros garotos jogavam a bola no adro da capela e gritavam passa a bola caralho, deste-me uma canelada filho da puta, foda-se que frango.
No dia seguinte eu ia comungar liberto dos meus pecados pelo santíssimo sacramento da confissão. Mas à noite, vasta e assustadora como as estrelas que deambulavam nos meus olhos, eu queria entrar numa porta negra e baixa por onde antes tinha já saído. Mas a porta não se abria. Eu acariciava-a mas a porta não se abria. Eu beijava o buraco da fechadura mas a porta não se abria. Eu dava saltos simiescos e guinchava mas a porta não se abria. Uma bruxa vestida de negro tocou a cabeça da Senhora do O e veio depois espetar-me o cabo da vassoura no coração. Do buraco por onde entrara a vassoura começou a escorrer sangue abundante. E eu acordei banhado em suor sem sentir, pela primeira vez desde há muito tempo, o sexo duro.
HENRIQUE DÓRIA
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