NLD
Pobre do Bernardo Soares que apenas se deixou boiar no pântano da vida, que não tinha sentimentos nem desejos, que não amava nem deixava de amar, nem odiava nem deixava de odiar porque tudo isso lhe era igual e indiferente, que tinha pelo mundo a frieza dum costume abandonado, que não pensava em mulheres nem no seu sexo, que olhava para os homens com a sua homossexualidade latente, para o patrão Vasques e a vulgaridade dos seus modos e pensamentos mas com o poder de alguém que o poderia estuprar, e para o guarda livros Moreira com a ternura que se tem a um amante dedicado a quem contava histórias com melancolia e pena.
Pobre do Bernardo Soares que esquecera o corpo com o único propósito de salvar a alma através do livro, ele que não acreditava em nada, nem na alma, nem nele mesmo, nem na humanidade, nem em Deus, nem na improvável salvação ainda que através do livro. Para ele havia apenas o tédio e a resignação de querer escrever o livro da sua decadência. Foi um nefelibata da Rua dos Douradores. As nuvens deslizavam dentro da sua alma entre o escritório da Vasques & C.ª e o seu quarto num segundo andar, ambos nessa Rua dos Douradores.
Os seus sentimentos eram as suas ideias, minúsculas gotas de água que formavam aquelas nuvens, nem quentes nem frias, que se mantinham até que as fizesse desaparecer uma qualquer tempestade solar, a catástrofe do abismo dos abismos.
Comentários
Enviar um comentário