NLD
Com a passagem dos anos, vai crescendo em mim a importância das palavras. Percebo que chegará o tempo em que eu já não serei eu, mas apenas elas, as palavras. E serão elas que falarão por mim. Deixarei um dia de querer olhar-me porque me transformarei em andrajos de mim mesmo. Passarei então os dias a olhar as minha palavras e a conversar com elas como o que resta do meu querer ser. Só elas terão já a dignidade e a beleza que, outrora, eu acreditei poder alcançar. Está hoje uma manhã luminosa e fresca, e tudo parece leve e quente porque imerso neste frio suave. Serão assim, para mim, as minhas palavras. Não as hei de querer rasgar como Virgílio, mas hei de olhá-las com indulgência e ternura porque, sendo incipientes e ingénuas, são o melhor que restará de mim mesmo e o que de mim permanecerá mesmo que ninguém as conheça. Ainda que sejam obscuras e ambíguas, elas serão sempre a minha verdade. Ainda que falem de sofrimento e de morte, elas continuarão a viver e a sorrir ternam...