NLD
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Sou um ser caótico. Não vejo o mundo como representação e vontade mas como impulsos de luz, pulsares sem cadência alguma que, por vezes, param e meditam mas depressa se cansam desse estado de inércia e meditação. Não tenho planos, porque ter planos é estar na ilusão de poder dominar o futuro, mas o futuro não existe, como não existe o passado. Existem apenas instantes a que chamamos presente, instantes que surgem e logo se desvanecem.
Este livro não tem um plano. É uma casa começada por uma janela, logo abandonada por outra janela. O teto é, talvez, as suas fundações, porque as suas fundações estão num lugar que não sei onde é.
De que serve ter planos? Teve-os o grande Alexandre mas não pensou na morte precoce. O fabuloso Velho da Montanha teve-os, sólidos e geniais, mas todos se desmoronaram. Hassan bin al-Shabbat construiu em si uma representação do mundo e quis moldá-lo com sabedoria e força. Mas mesmo a fortaleza que parecia inexpugnável se desmoronou, e ele transformou-se apenas num sonho, numa lenda entre o nevoeiro do tempo que é apenas lenda. Omar Khayam, pelo contrário, não teve planos, teve instantes de luz nos seus poemas e na sua ciência, e tudo o que ele fez foi grande e persiste porque pleno de intensa luz.
O livro que agora escrevo persistirá? É-me indiferente. Comecei a escrevê-lo para mim como amálgama de instantes. Depois de escrito, deixará de ser meu. Não me importa o seu futuro que não sei se existirá. Talvez viaje pelo mundo, talvez haja, em algum lugar insuspeito, uma mulher que o ame ou um homem que sorria da sua inconsequência. Mas tudo isso me é indiferente, como indiferentes são os instantes que não irei viver.
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