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A mostrar mensagens de julho, 2021

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 162 Depois de Auschwitz, Deus encontra-se a revolver uma lixeira para saber se não é, ele próprio, lixo. 163 Saído da terra, a minha vocação é ser um perdedor porque me abandonei a mim mesmo. É pela perda que sinto mais a vida. As vitórias cansam-me e causam-me tédio, às vezes mesmo náusea. As derrotas estimulam-me para lutar por novas derrotas. Vitória e derrota é tudo um jogo de sombras, mas só a derrota me expõe à luz que eu sei ser uma ilusão. Mesmo antes de a alcançar, e sabendo que a irei alcançar, a vitória já me cansa. Escrever este livro cansa-me ainda antes de o terminar porque sei que o irei terminar e o terminá-lo será a minha vitória. Tudo é vaidade? Não. Só a derrota não é vaidade.  Por isso me atrai tanto. 164 Ter abandonado a terra foi para o homem a maior catástrofe. Ele caminha sobre a terra mas já não a sente porque já não afunda no barro os seus pés nus, o que para ele era o grande ato de amor. Civilizações vieram, o homem prolongou a vida, parece que a ir...

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 159 Meu pai, quando fala da sua morte que sente aproximar-se, diz com resignação que é uma dívida que tem de pagar. Eu, seu filho, digo-lhe, com serenidade, que já pagámos essa dívida que não contraímos, embora dela sejamos beneficiários, pelo nosso sofrimento e o sofrimento dos outros que nós próprios sofremos. E é uma dívida injusta porque foi a natureza que nos impeliu a ela, pois tem a ambição insensata de se replicar eternamente. 160. A realidade é a consciência da fragilidade dos nossos sonhos. 161 Ao almoço, em Terras de Miranda, serviram-me carne de boi mirandês que vinha acompanhada de um pequeno cartaz a cores, com a fotografia do boi e a sua árvore genealógica. Soube-me bem aquela carne de boi suspensa numa árvore genealógica.

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  Só os poetas poderiam transformar a Arcádia, uma terra pedregosa e inóspita de pastores rudes que faziam sexo com as suas cabras num lugar fértil e feliz onde abundavam a água e as belas ninfas. Ninguém como eles lograria transformar a realidade em sonho e o sonho em realidade com um poder que é abdicação. Os poetas árcades viviam, assim, na angústia de quem sabe que vai morrer e que, depois da morte, só há o infinito nada igual ao infinito nada antes da vida. Sabendo que, aí, não haveria tempo nem lugar, criaram um lugar sem tempo como modo de redenção.  É isto a poesia.