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Não sei se este cansaço que há em mim é um cansaço meu ou de todas as coisas que me rodeiam e conheço ou, ainda, das coisas que não conheço mas quis conhecer e agora me cansam sem as ter conhecido. Outrora, os meus sonhos eram viagens. Agora, cansa-me só o pensar no caminho que me poderia conduzir ao destino de cada viagem, ainda que nada me custasse a vencê-lo porque o venceria com uma cómoda viagem de avião - mas é, sobretudo, essa comodidade que me cansa porque põe flácida a minha alma, e cansa-me ainda mais quando penso na flacidez da alma a pensar na viagem.

Ler, escrever, pensar, tudo isso é cansativo porque são viagens que tantos fizeram e tantos hão de fazer sem pensarem que aquilo que hão de fazer foi já tantas vezes feito que se torna cansativo.

Outrora, o cínico Thomas Hobbes, olhando para o mundo em que vivia, lendo os relatos do padre Bartolomeu de las Casas, só pode concluir do homem que é monstro devorador de homens. E, quando, dois séculos depois de Hobbes, num breve interregno em que o homem parecia possuir alguma compaixão e era menos devorador de homens, o doce Stendhal lamentava a ausência de heroísmo nesses tempos dados ao amor e não à guerra. Mas ele, que amava amar até ao desespero, o que sentia era o cansaço do amor que queria ter  e não tinha porque era demasiado breve a consumá-lo.

O tão desejado amor fazia os homens covardes, possuídos por almas melancólicas e doentias. O verdadeiro homem, o herói, sabia que só não há cansaço no correr para a morte, pensava o doce Stendhal.

Mas eu sei que até na corrida para a morte há cansaço, porque tantos já para ela correram e tantos para ela hão de correr, que é cansaço pensar neles. E, para além disso, há a certeza de que esse cansaço só terminará quando todas as viagens dos homens tiverem alcançado esse destino de que não há mais regresso.

Deixei de usar relógio porque me angustiava olhar para o tempo. Mas este tempo levou-me a estar prisioneiro duma máquina em que, todas as vezes que a olho, e são tantas, diariamente, o tempo me diz que está ali e me lembra de todo o cansaço que nele há.

E eu compreendo então que todo o cansaço começa em saber que há o tempo, e que todas as coisas que há o sabem.



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