NLD

Não sou apenas um ser. Sou seres em viagem, moldado pelas infinitas formas do mundo que me causam outras sedes de ser. Ouço o lamento do mar e a prudência dos faróis, e sou mar e farol desfazendo o meu ser na areia. Vejo a suave dança do trigo com a aragem e sou o pão verde dos campos na Primavera. Ouço o rumor do vento na floresta e sou as árvores que lá estão e a sábia coruja que nelas faz o ninho e cria amorosamente os seus filhotes.

A minha alma é todas as árvores da floresta onde ecoa o canto do bode que nela anda a excitar as mulheres nas suas danças loucas, cabeça e dorso inclinados para trás, ventre lançado para a frente oferecendo o seu sexo ao volumoso sexo do deus da embriaguês.

Então elas são lobas com sede do seu ser, lobas com fome da carne dos homens, ávidas do desejo de os despedaçarem e devorarem o seu sexo. 

Sagradas e sacrílegas elas dançam a dança da vida e da fúria da vida fazendo ressoar no ventre venerável da terra os tambores do mistério, engrinaldadas com a era e agitando em frenesim o tirso da vontade e da fantasia que leva na sua ponta a pinha da fecundidade. Elas abandonaram a lã e o tear, esqueceram a casa onde eram coisas dos homens, e correram com ardor para a liberdade da floresta cobertas da nébride sacra.

Eu espreitava-as escondido na ramagem da árvore mais alta, incrédulo do seu cio divino e desejando-as a todas e ao seu frenesim, mesmo sabendo que seria despedaçado se a elas me entregasse. 

Mas descobriram-me! Enraivecidas  por me verem excitado a presenciar as suas orgias, e nunca conseguindo chegar aos ramos onde me escondera, suplicaram então ao seu deus que me entregasse a elas. E o deus fecundo dobrou a árvore em que me sentia seguro para me entregar às Ménades.

Porém, nesse instante fatal, invoquei a deusa da sabedoria, e ela transformou-me em coruja, e eu voei para o lar onde me esperavam a mulher e os filhos ignorantes do encanto da minha noite.



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