O NOVO LIVRO DO DESASSOSSEGO
Fechado em casa, aqui estou, peixe dentro do aquário para poder viver. Lá fora o ar é hostil, as bocas e as mãos são perigosas. Poderia ser um tempo de meditação, mas a angústia e o tédio sempre latentes levam-me à dispersão. Leio uma ou duas páginas dum romance, outras tantas de um qualquer filósofo cuja obra me venha à mão em primeiro lugar - Cioran aparece-me tantas vezes - consigo chegar à meia dúzia de páginas de poesia. Apenas a música, ao fundo, nunca me abandona.
Olho pela ampla janela do meu quarto, e a avenida da Boavista vazia e com o mar ao longe torna mais frio o tempo. O vento faz tremer o arbusto que tenho plantado num grande vaso na varanda voltada para o sol, tronco alto descarnado e fino, sustentados em raízes sólidas como bolas de chumbo. Só tem folhas nas pontas dos ramos, dedos abertos para o céu sem esperança. Tudo parece frágil nesse arbusto, mas ele está ali há tantos anos que me parece ainda mais velho do que eu que o plantei. Ali ficará quando eu desaparecer, inclinando-se ao vento para poder viver. Um dia, quando eu não estiver, será deitado ao lixo como se ninguém o tivesse plantado com ternura, como se fosse apenas uma vara torta, sem graça e sem préstimo.
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