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Os gregos, de quem tudo nos chegou, bem sabiam que o homem é um conglomerado mole de forças contraditórias, tantas vezes instintivas, tantas vezes racionais. Porém, as duas primeiras, Eros, o desejo, e Hipnos, o sono, acabarão sempre por se dissolver numa última e absoluta, Tanatos, a morte. Ares, o deus da guerra e do triunfo, supremo desejo de dominação, ele mesmo só pode triunfar através da morte.
Não houve em toda a história do homem civilização que mais levasse ao extremo essa união entre o desejo, o sono e a morte do que a romana. E, no extremo desse extremo, estavam os próprios imperadores e, acima de todos, Tibério.
Prestes a morrer, o violento Augusto, referindo-se ao seu genro Tibério que lhe iria suceder no Império, exclamou para os escravos que o rodeavam: "Desgraçado povo que vai cair em tão lentas mandíbulas.". E, no entanto, o monstruoso Tibério era ele mesmo um conglomerado de forças contraditórias. Assistira aos assassinatos ordenados por Augusto na sua ascensão ao poder e ao envenenamento de Marcelo, o preferido de Augusto, por ordem de sua mãe, a ambiciosa e dominadora Lívia, terceira mulher de Octávio. O terror do poder cercava os passos de Tibério, mas o desejo do poder corroía-lhe a alma. Odiava Augusto e, mais ainda, a própria mãe, que o forçaram a divorciar-se da amada Vipsânia para casar com a dissoluta Júlia, filha do imperador, casamento destinado a abrir a sua ascensão ao poder. Depois da morte do filho que lhe dera Júlia, foi para Rodes, fugindo ao sofrimento pela morte do filho e por ser impedido de se encontrar com a amada Vipsânia. Em Rodes, começou por renunciar à sua condição de filho adotivo e sucessor de Augusto, optando por uma modesta moradia e uma vida simples que em nada o distinguia da gente comum, tendo, para isso, abandonado a toga romana e passado a usar o manto e o calçado dos gregos. Quis mesmo, um dia, visitar todos os doentes da ilha e, para isso, reuniram-nos a todos num só lugar. Não conseguindo suportar a visão do sofrimento e da morte, chorou e a todos pediu perdão por ter querido que os juntassem.
Mas cedo da vida simples se começou a entediar e, tendo alcançado, por intermédio da mãe, a representação de Augusto em Rodes, mudou completamente o seu comportamento, e o desejo de ocupar o poder supremo, para o que era catapultado pelas manobras de Lívia, começou a enche-lo simultaneamente suspeição e terror, que aumentavam a sua inclinação para a violência.
Quando Augusto morreu, apresentou-se perante o senado a declinar a sucessão e a sugerir a restauração da República. Não era apenas cínica a sua fala. Na verdade, Tibério ambicionava tanto o poder como dele sentia terror e o odiava.
A partir da sua ascensão ao Império passaram a dominá-lo os piores atributos do poder: a violência, a inveja, a ganância e a luxúria. Começando o seu sexo a perder força, foi crescendo em loucuras para sentir desejo, sentindo prazer apenas com adolescentes e crianças a quem ordenava que lhe mordiscassem o sexo enquanto nadava na piscina.
Horrorizava-o ser humano como qualquer camponês ou qualquer pescador, cujos desejos insignificantes eram, afinal, iguais aos seus desejos infindos, porque todos terminavam na morte. Por isso, no momento de morrer, segurou com as derradeiras forças o anel imperial para que só a ele ficasse a pertencer eternamente.
Desejou e sonhou o Império, e o seu Império desfez-se no nada que triunfa sempre sobre todos os Impérios.
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