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ADIVINHAS

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 1- Encontro  em algumas palavras belos corpos que gostaria de despir, noutras pedacinhos de ossos que gostaria de ressuscitar, noutras aves, pedras e sementes - de amor e de ódio. Mas algum dia encontrarei aquelas em que me poderei incendiar? 2- Na vinha cortam-se as derradeiras uvas. No sótão, as maçãs guardadas comem-nos com o seu perfume. Da chaminé sai a primeira melancolia. Tudo sinais do que te trará o Outono? 3- Enquanto jantas, as televisões trazem-te muitos pedaços de morte e alguns pedaços de vida, incêndios, paredes que caiem e algumas que se levantam, fronteiras violadas e a felicidade vendida em cremes de beleza. Mais tarde, virá ter contigo a dourada lua navegante trazendo-te os seus sonhos? 4- Na tua mão direita há uma nascente e um rio principia. No teu coração uma luta em que terminarás ferido na coxa. É a mesma luta que travas com as palavras e os homens? 5- Amar como a ave que passa ou como a árvore com o seu constante amor da terra, não é tudo o mesmo amor...

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 Ser simples até alcançar a beleza  da erva ou das crianças? Partem as aves deixando-nos a sua sombra para que a possamos pegar? Liberdade, palavra desejada contando o ferro, cortando o vento? Pela serenidade do voo e pela altura do ninho do milhafre desprezavas o abismo? Se a natureza viva tem consciência não a terá também a natureza morta de Morandi? Não é o sono que torna possível o canto e a coragem?  Neste mundo onde a hipocrisia cresce nas papoulas do ópio é-nos lícito não combater a devastação dos vírus? Perante as hienas da mentira e da maldade lograrão os cordeiros transformar-se em leões para poderem ser apenas cordeiros? Não é na noite que mais brilham os olhos das hienas? Logrará quem se recusou a ser parte do rebanho não ser carne para a matilha? Viver com a força do trovão dentro da brevidade do relâmpago para matar o tempo? O tempo guardará de mim o som do meu nome ou tão só o nada do meu pó? HENRIQUE DÓRIA - Adivinhas 

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 Há em ti uma obscura fidelidade, rosa de ninguém? Rosas de primavera ou uvas de outono, onde está o sopro da fertilidade? Apaixonado pela terra ou pela sua solidão a caminho da derradeira neve? Apenas solidões paralelas que se encontram? Deitar-se-á a lua no leito dos velhos? Quando uma estrela cai dentro do espelho, cai também uma lágrima? Poço de águas negras, profundas? Melhor a erva ou a calhandra de vôo incerto? A beleza das folhas de Outono caindo ao encontro da morte? A nossa hipnose de vôo é igual ou maior que o céu estrelado? Videiras e rosas sonham o rosto da amada? Com as videiras e as rosas parti numa embaixada? HENRIQUE DÓRIA 

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 Porque escreveste o teu poema na areia durante maré baixa sabendo que a maré alta chegaria à hora certa? Multiplicam-se os facínoras e os loucos porque são semeados com dentes de sangue? Foram os pássaros feridos que plantaram árvores na floresta? A avidez da tua chama nasce do vermelho do teu sangue? Ainda terão tempo os homens para voltar a nascer? Porque são de asas os meus sonhos se tenho raízes na terra?

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Esquecer o sofrimento com o vinho ou com a fonte fria? Que vinho poderá inclinar o rosto para a terra ou elevá-lo para o céu? Beber para a esquecimento não será abrir outra ferida para o sofrimento? Há em mim três seres ou três modos de impotência? É quando une o sol e a terra que a coreopsis tem maior beleza? Deitado no escuro do meu quarto interrogo-me sobre as palavras a colocar na cabeceira do meu túmulo: rosa, ninguém, volúpia? A primavera das ervas e o Outono das frutas não estão ambos lado a lado com o Inverno do desespero? Porque semeias sempre e sempre após cada fracasso? Não era de cor púrpura a boca do demónio quando convenceu a mulher a comer a maçã ou a laranja da morte? Haverá também no céu uma árvore do conhecimento do bem e do mal? Morrendo tantas vezes na terra em cada perda ainda haveremos de morrer um derradeira vez no céu? Criados por Deus à sua imagem e semelhança, o Seu sangue é igual ao nosso?

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Quem conduz a minha carruagem, eu ou os boleeiros que me deu o tempo? Um fio de sangue saindo da minha sombra sou eu? Há um espelho dentro do poema ou uma nuvem de crinas revoltadas? Saberão os mortos o que é o amor deslizando pelos seios nus e pela vulva vermelha de uma jovem mulher? Logrará alguma vez o homem descobrir o mistério que há dentro dos olhos do tigre? O sulfuroso e o doloroso incluem-se? Não é a memória uma dor maior do que nós? Podemos dizer que viveu aquele a quem nenhuma mão acariciou o lençol? Em que palavras haverá mais poesia, nas que escrevi ou nas que esqueci? Haverá uma videira da salvação? Não estão a ver-se num só espelho a sabedoria e a dor? No fim de combates impiedosos não serão as feridas sempre maiores que os louros do triunfo?
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  Nunca tive a coragem das naves  Para com elas partir Nem das aves que comigo  Dividiam a terra e o céu O medo e o amor escorriam  Dentro das minhas raízes  Seiva negra e branca  Seiva branca e negra E a seiva conversava com a seiva Conversas noturnas  Conversas diurnas Buracos no cérebro  Constelações girando em volta Estrelas cruéis atacando  As minhas pupilas Perfurando o meu crânio  Com as suas verrumas Gemidos  Cometas perdidos E eu amante sem leito e sem leme Ignorando o meu caminho Amante sem esperança  E sem fé na boda ou no vinho. HENRIQUE DÓRIA